Open share-by-msl modal
Open Modal

Notícias

Avaliações farmacoeconômicas e seus impactos no sistema de saúde

A farmacoeconomia, considerada uma disciplina relativamente nova, surgida no cenário internacional na década de 1980, tem crescido de forma expressiva, especialmente no âmbito dos sistemas de saúde.{1}   

Ela identifica, calcula e compara custos (recursos consumidos), riscos e benefícios (clínicos, econômicos, humanísticos) de programas ou terapias específicas, e determina quais são as alternativas que produzem os melhores resultados em face dos recursos investidos.{1}

A farmacoeconomia assume um papel importante como instrumento de auxílio à tomada de decisões, pois introduz nos serviços de saúde, entre os profissionais, a racionalidade econômica. Essa ferramenta ganha mais destaque conforme se intensificam as discussões sobre a necessidade de sustentabilidade do sistema, principalmente diante do
aumento crescente dos gastos em saúde.{1}

Para falar sobre o tema, a seguir uma entrevista com Tatiane Bomfim Ribeiro, pesquisadora em Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) e Farmacoepidemiologia. Tatiane é doutoranda em Epidemiologia pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), mestre em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina  da USP e, atualmente, pesquisadora no Núcleo de ATS da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Qual a função da farmacoeconomia?

 

Tatiane Bomfim Ribeiro: A farmacoeconomia avalia os custos e o valor dos medicamentos com o objetivo de otimizar a alocação dos recursos e promover a eficiência nos serviços/sistema de saúde. Em um contexto de recursos finitos e aumento crescente de gastos com saúde e medicamentos, as ferramentas de economia da saúde e farmacoeconomia são essenciais para o gestor (Figura 1).{1}

 

Poderia discorrer brevemente sobre os principais tipos de avaliações farmacoeconômicas?

Tatiane Bomfim Ribeiro: As análises de custo-minimização, custo-efetividade, custo-utilidade e custo-benefício são as principais avaliações em farmacoeconomia. Nessas se pressupõe a comparação de dois medicamentos diferentes em relação aos respectivos desfechos e custos.{1}

A análise de custo-minimização pressupõe que os desfechos sejam equiparáveis entre as tecnologias; dessa forma, apenas uma simples comparação dos custos é realizada (Figura 2).{1}

Na análise de custo-benefício, tanto o desfecho quanto os custos são valorados em unidades monetárias. Esse tipo de análise é pouco utilizado, pois a mensuração de desfechos em saúde é sensível aos fatores individuais.{1}

A análise de custo-efetividade é a mais utilizada e frequentemente aparece nos processos formais de ATS. Nesse estudo, os custos e os desfechos são diferentes entre as tecnologias (ex.: novo medicamento mais caro que aumentou a sobrevida em determinado câncer avançado versus medicamento de referência) e o resultado é a razão de custo-efetividade incremental (RCEI), apresentada em “custo incremental por unidade de efeito”.{1}

A análise de custo-utilidade utiliza os mesmos pressupostos da análise de custo-efetividade, a única diferença está na medida do desfecho, que é dada em “utilidade”, como AVAQ (anos de vida ajustados pela qualidade de vida).{1}

 

Como a análise de impacto orçamentário complementa as avaliações farmacoeconômicas?

Tatiane Bomfim Ribeiro: O objetivo da análise de impacto orçamentário é avaliar o impacto financeiro na incorporação de determinado medicamento comparado ao tratamento padrão, na perspectiva do pagador/gestor (Figura 3). Essa ferramenta é muito importante para que o gestor avalie na prática o quanto a incorporação de um novo medicamento irá impactar financeiramente no serviço/sistema de saúde, sendo que o horizonte tem em média cinco anos. Nos processos formais de ATS, frequentemente a análise de impacto orçamentário é uma exigência.{2}

 

Em quais situações as avaliações farmacoeconômicas devem ser consideradas?

Tatiane Bomfim Ribeiro: As avaliações farmacoeconômicas podem ser consideradas no contexto em que há dúvida em relação à eficiência de dois ou mais medicamentos. A comparação de tecnologias diferentes e a tomada de decisão é uma rotina na atuação do gestor em saúde.{3}  Mesmo para o clínico prescritor, muitas vezes há casos em que o paciente “paga do bolso” o medicamento, e o próprio médico deve considerar a alternativa mais eficiente, considerando os recursos finitos.

Qual a aplicação do conceito de avaliação farmacoeconômica no sistema de saúde brasileiro? É adotada regularmente?

Tatiane Bomfim Ribeiro: No Brasil, existe uma comissão de ATS, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no Sistema Único de Saúde (SUS), que avalia formalmente medicamentos demandados para incorporação no SUS. Uma das etapas do processo de ATS é a apresentação de estudos de avaliação econômica e impacto orçamentário. O processo de submissão de novas tecnologias no SUS é contínuo e deve atender às documentações mínimas que constam no domínio eletrônico da Conitec.{4}{5}

Na saúde suplementar, a atualização do Rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) inclui um processo formal de ATS para avaliação de novos medicamentos/tecnologias que serão cobertos. Esse processo também inclui estudos de avaliação econômica e impacto orçamentário.{5}

Quais os riscos para a saúde pública e privada da não realização de uma avaliação econômica eficaz ou de uma avaliação pouco robusta?

Tatiane Bomfim Ribeiro: As avaliações econômicas podem estar sujeitas a incertezas, muitos dados precisam ser estimados, alguns são extrapolados para a realidade local e frequentemente a estimativa de custos captura apenas uma esfera do gasto, relacionada direta e indiretamente ao uso daquele medicamento. Dessa forma, esses estudos devem conter um relato detalhado de todo o passo a passo, a fim de esclarecer o leitor sobre possíveis limitações. Estudos com relato “pobre” em detalhes e com limitações metodológicas importantes podem apresentar um resultado enviesado (Figura 4).{3} Aquele que recebe um documento enviesado deve considerar com cautela a utilização do documento para a tomada de decisão e, dessa forma, isso pode influenciar na decisão final, por exemplo, de incorporação de uma nova tecnologia/medicamento em um determinado contexto.

 

Como assegurar a qualidade dos dados que serão utilizados nas avaliações farmacoeconômicas?

Tatiane Bomfim Ribeiro: Os dados das avaliações econômicas são de forma geral sobre efetividade e custos dos medicamentos comparados. A qualidade desses dados depende, em primeiro lugar, da fonte de informação (Figura 5).{6} Por exemplo, dados de efetividade advindos da literatura devem considerar a certeza daquela evidência e possíveis vieses naquelas estimativas. A mensuração de custos pode ser por meio de bases de dados que devem ser avaliadas quanto à qualidade dos dados disponíveis.{6}

 

Existem situações em que a tecnologia gera um benefício ligeiramente maior, mas o custo é muito mais alto. Como se toma uma decisão nesse cenário?

Tatiane Bomfim Ribeiro: Nesses casos, as avaliações de custo-efetividade ou custo-utilidade são valiosas para avaliar e medir o custo adicional, considerando o benefício incremental. Isso ajuda o gestor na tomada de decisão. Alguns sistemas de saúde estabelecem um limiar para avaliar se o “custo compensa o benefício”; é o que chamamos de “limiar de custo-efetividade”.1 No Reino Unido, por exemplo, a disposição de pagar nas tecnologias avaliadas pela agência de ATS local, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), foi definida como um valor entre £ 20.000 e £ 30.000 por ano de vida ajustado por qualidade.{9}

As avaliações farmacoeconômicas também podem contribuir para a desincorporação de uma tecnologia?

Tatiane Bomfim Ribeiro: As avaliações farmacoeconômicas podem ser úteis em todo o ciclo de vida de uma nova tecnologia, desde a sua incorporação e implementação, até desuso e possível desincorporação.{3}

Na sua prática, o quanto as avaliações farmacoeconômicas têm contribuído para o acesso dos pacientes às tecnologias e gerado valor em saúde?

Tatiane Bomfim Ribeiro: Os processos formais de ATS mencionados anteriormente, sobretudo no contexto de incorporação de tecnologias nos sistemas de saúde, promovem acesso dos pacientes a tecnologias emergentes. No Brasil, por exemplo, desde a criação da Conitec, em 2011, o órgão já sugeriu a incorporação de diversas tecnologias, a maioria relacionadas a medicamentos.{10}

Quais os desafios para os estudos farmacoeconômicos em oncologia?

Tatiane Bomfim Ribeiro: Novos medicamentos oncológicos que têm sido aprovados são terapias complexas, muitas vezes, medicamentos biológicos e terapias-alvo, os quais entram no mercado com custo alto e isso, no geral, aumenta o impacto orçamentário e nem sempre remete em razões de custo-efetividade incremental que são de interesse para os gestores, dificultando assim o acesso (Figura 5).{7}{8} Além disso, atualmente vivemos a era da medicina de precisão, em que muitos medicamentos são aprovados para alterações moleculares específicas e algumas dessas mutações são raras. As doenças raras são condições específicas que, no geral, apresentam evidências com incertezas, devido a pequenos tamanhos amostrais e frequentemente estão associadas a alto custo.{11}

Material destinado aos stakeholders de acesso ao mercado, sem intuito promocional. Pode conter Premissas Declaradas e/ou informações factuais. CP-302696 - Junho/2022

Referências

  1. Secoli SR, Padilha KG, Litvoc J, Maeda ST. Farmacoeconomia: perspectiva emergente no processo de tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva. 2005;10:287–96.
  2. Medeiros MFBD, Okumura LM, Riveros BS, Lucchetta RC, Rosim M, Nita ME. Análise de impacto orçamentário: uma revisão prática de conceitos e aplicações para o gestor. J Bras Econ Saúde. 2018;10(1):75-9.
  3. Mota DM. Avaliação farmacoeconômica: instrumentos de medida dos benefícios na atenção farmacêutica. Acta Farmacéutica Bonaerense. 2003;22(1):73-80.
  4. de Agostino Biella C, Petramale CA. A incorporação de tecnologias no Brasil e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS–CONITEC. Gestão e Saúde. 2015;6(4):3013-5.
  5. IESS. Experiências internacionais em avaliação de tecnologias em saúde: implicações para o Brasil. Disponível em: . Acesso em: fev. 2022.
  6. Soárez PCD, Soares MO, Novaes HMD. Modelos de decisão para avaliações econômicas de tecnologias em saúde. Ciência & Saúde Coletiva. 2014;19(10):4209-22.
  7. Chabot I, Rocchi A. Oncology drug health technology assessment recommendations: Canadian versus UK experiences. Clinicoecon Outcomes Res. 2014;6:357-67.
  8. Jönsson B. Technology assessment for new oncology drugs. Clin Cancer Res. 2013;19(1):6-11.
  9. Charlton V. NICE and fair? Health technology assessment policy under the UK’s National Institute for Health and Care Excellence, 1999–2018. Health Care Analysis. 2020;28(3):193-227.
  10. Lima SGG, Brito CD, Andrade CJCD. O processo de incorporação de tecnologias em saúde no Brasil em uma perspectiva internacional. Ciência & Saúde Coletiva. 2019;24:1709-22.
  11. Facey K, Granados A, Guyatt G, Kent A, Shah N, van der Wilt GJ, et al. Generating health technology assessment evidence for rare diseases. Int J Technol Assess Health Care. 2014;30(4):416-22.

Do you need help?

Contact us clicking here

 

0800 701 1851

Monday to Friday from 8 am to 6 pm.

 

[email protected]

Reporting adverse events: [email protected]