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Avaliação farmacoeconômica: MCDA, uma ferramenta de análise

Laura Murta
Biomédica Graduada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio); Mestra em Ciências Médicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Pós-Graduada em Avaliação de Tecnologias em Saúde do Instituto de Efectividad Clinica y Sanitaria (IECS); Head of Health Economics na Origin Health Company

Os estudos de economia da saúde e análises baseadas em evidência fazem o papel de avaliar os custos diante dos resultados proporcionados pelas tecnologias. Porém a incorporaçãode novas tecnologias abrange ainda outros fatores que não apenas custos e desfechos clínicos. Há também dimensões sociais, organizacionais, éticas e legais que devem ser consideradas. Para essa tarefa, existe a análise multicritério de apoio à decisão (MCDA, do inglês multi-criteria decision analysis).{1}  Para falar sobre essa ferramenta, entrevistamos Laura Murta, biomédica graduada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e mestra em Ciências Médicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduada em Avaliação de Tecnologias em Saúde do Instituto de Efectividad Clinica y Sanitaria (IECS) e atualmente Head of Health economics na Origin Health Company.

Os modelos tradicionais de tomada de decisão enfatizam a relação custo-benefício, excluindo do processofatores-chave que podem afetar o tratamento dos pacientes. Quais outros modelos podem ser utilizados
para a decisão baseada em avaliações econômicas?

Laura Murta: De fato, em todo o mundo, mesmo agências que adotam o paradigma de custo-efetividade, como o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), reconhecem que outros fatores estão sendo considerados em suas decisões. Contudo, esses fatores não estão consistentemente integrados dentro do processo de tomada de decisão e não são revelados de forma transparente. {2} O que se discute hoje é que depender de uma análise de custo-efetividade, por exemplo, pode levar à exclusão de questões políticas e sociais, como a gravidade da doença, a disponibilidade de alternativas de tratamento e o grau de inovação tecnológica. Assim, observa-se a necessidade de um processo que aborde, de forma sistemática e explícita,todos os fatores-chave para a decisão, incluindo o valor social de algumas tecnologias.{2}  Ainda, em um cenário de chegada de tecnologias inovadoras, como as terapias gênicas, esbarramos em muitas incertezas clínicas e econômicas que dificultam sua avaliação pelos métodos tradicionais. A inovação na pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias em saúde acabam exigindo também uma inovação no processo de avaliação de tecnologias em saúde (ATS), que deve ser atualizado de forma a responder a esses desafios.{3} Uma metodologia que chegou para dar suporte à tomada de decisão em saúde é a MCDA, que não é um tipo de avaliação econômica, e sim uma ferramenta que pode complementar e auxiliar o processo decisório.{4}

 A ATS pode ser definida como a avaliação sistemática de propriedades, efeitos e impactos de uma tecnologia em saúde. Ela deve incluir aspectos clínicos, sociais, éticos e econômicos, e seu objetivo é fornecer informações baseadas em evidências para dar suporte ao processo de tomada de decisão pelo gestor. Diferentemente do profissional de saúde que possui a responsabilidade sobre o paciente, o gestor precisa tomar decisões considerando o sistema de saúde como um todo, sua sustentabilidade e suas limitações financeiras, particularidades relacionadas a sua estrutura para implementação e as necessidades da população (Figura 2).{4}

 No que consiste essa ferramenta?

Laura Murta: A MCDA permite a consideração sistemática e explícita de múltiplos fatores que podem impactar na decisão, fornecendo uma estrutura clara para avaliar o valor de uma nova tecnologia comparada às opções de tratamento (ou cuidados de suporte) disponíveis.{4} Por definição, a MCDA é um conjunto de métodos e abordagens para auxiliar o processo de tomada de decisão, em que as decisões são baseadas em mais de um critério,englobando diferentes abordagens consideradas tanto “técnicas” quanto “não técnicas”. Alguns tipos de MCDA envolvem algoritmos sofisticados que sugerem as melhores escolhas, enquanto outros apenas fornecem uma estrutura para o processo deliberativo, sendo este último conhecido como MCDA parcial. Todos têm como objetivo facilitar a replicabilidade e a transparência no processo de tomada de decisão, como já disse anteriormente, sem substituir o julgamento (Figura 1).{4}

 

Como essa ferramenta tem contribuído para a incorporação de novas tecnologias em saúde e o acesso a estas?

Laura Murta: No caso da MCDA, e pensando em um cenário de incorporação de novas tecnologias, ela vem auxiliando gestores a estruturar problemas complexos em um conjunto de critérios, fornecendo uma abordagem transparente e estruturada. A partir daí, é possível dar um peso para cada critério, o que permite aos tomadores de decisão esclarecer seus objetivos fundamentais e perspectivas e avaliar o desempenho de cada tecnologia em relação a cada um dos critérios, o que resulta na identificação de pontos fortes e fracos.{5} Ao incluir na análise múltiplos critérios, além daqueles tradicionalmente considerados nos processos de avaliação de tecnologias em saúde, a MCDA viabiliza o entendimento da importância que critérios como facilidade de uso, grau de inovação tecnológica e adesão apresentam dentro de determinado contexto, o que também vale para a compreensão de desfechos intermediários em um cenário de doenças ou tumores raros, por exemplo, para os quais as tecnologias ainda não apresentam resultados em desfechos duros.{5} Outro ponto importante quando pensamos em incorporação de tecnologia em saúde é a participação de outros stakeholders relevantes para o processo decisório, como os pacientes, refletindo todas as preferências.{5} Na prática, a aplicação da MCDA vem sendo considerada por diversas organizações e agências públicas e privadas no mundo (Figura 2):{6}

  • Estudo-piloto com a MCDA foi utilizado pelo Institut für Qualität und Wirtschaftlichkeit im Gesundheitswesen (IQWiG), na Alemanha, para identificar desfechos relevantes para os pacientes no contexto de depressão e hepatite C, e para extrair as preferências dos pacientes em relação aos desfechos selecionados.{6}
  • Na Itália, a região da Lombardia utiliza a MCDA como uma ferramenta auxiliar à tomada de decisão para a seleção de tecnologias para reembolso.{6}
  • Na Tailândia, o uso da MCDA foi proposto para guiar decisões de cobertura na inclusão de intervenções em saúde para a cobertura universal.{6}
 
 
 

Como a senhora a avalia a MCDA?

Laura Murta: Decisões em saúde não são simples, envolvem múltiplos fatores, opções, informações frágeis e diferentes interesses. Nesse cenário, a MCDA fornece uma estrutura metodológica e uma capacidade analítica que permitem incluir de forma explícita todos os elementos, os interesses, os critérios e as preocupações envolvidos no processo de tomada de decisão em saúde. Assim, é possível que a decisão considere critérios que hoje não são tradicionalmente considerados e que podem fazer muito sentido para algumas tecnologias ou áreas terapêuticas (como tumores raros e dispositivos médicos), além de considerar a participação de outros stakeholders.{4}

Quais são os prós e contras da MCDA?

Laura Murta: Como prós, eu vejo aspectos já discutidos aqui, como a possibilidade da participação de médicos e pacientes no processo decisório, que muitas vezes acaba restrito aos representantes de determinada instituição. Há também a abordagem estruturada e transparente, que permite aos tomadores de decisão pensarem e expressarem de forma clara o que eles valorizam, além dos porquês e do contexto dessa valorização. Isso porque, embora as evidências clínicas em relação ao desempenho das tecnologias sejam de natureza objetiva, a compreensão de seu valor requer algum grau de interpretação subjetiva, e a MCDA ajuda nessa integração da medição objetiva e no gerenciamento da subjetividade, de forma transparente. Ainda, a MCDA também pode ser utilizada em outras áreas além da avaliação de tecnologias em saúde, como na análise de risco-benefício para aprovação regulatória, na análise de decisão de portfólio dentro de indústrias farmacêuticas, na decisão compartilhada e na priorização de pacientes para o acesso à saúde (Figura 3).{4}{5} Como contras, eu vejo a dificuldade de desenvolver análises com múltiplos stakeholders de cada grupo, o que pode ter impacto nos resultados, e de integrar essa participação dentro do processo atualmente desenvolvido considerando, por exemplo, os prazos de análise. Outro ponto seriam os diferentes métodos de MCDA disponíveis, pois hoje não há um guia que ajude, de forma clara, o pesquisador na escolha do método. Além disso, alguns métodos são bastante complexos, o que limita o uso da MCDA devido à necessidade de um conhecimento específico e de profissionais que saibam desenvolver essas análises. Por fim, a falta de consenso sobre a forma de como medir alguns critérios e a limitação quanto à necessidade de critérios que potencialmente se sobrepõem ou não são independentes em alguns contextos de decisão na área da saúde (Figura 3).{7}

 
 

A senhora poderia comentar também sobre o discrete choice experiment (DCE)?

Laura Murta: O DCE é uma metodologia que tem sido utilizada para elucidar preferências, que pode ser utilizada para o scoring no contexto de uma análise MCDA. O DCE pede aos participantes para decidirem entre alternativas hipotéticas, como dois tipos de tratamento, descritos com múltiplos critérios, forçando os participantes a realizar trade-offs entre as variações de desempenho dos critérios. Assim, ao final, o modelo prediz a probabilidade de os stakeholders escolherem uma intervenção em vez de outra.{8}

Quais os prós e contras do DCE?

Laura Murta: É um modelo relativamente simples de os participantes entenderem, já que todos nós estamos acostumados a realizar trade-offs no dia a dia. Porém dois pontos importantes são a validade externa dos achados, já que a análise é desenvolvida em um contexto hipotético, e a complexidade da análise, que requer profissionais especializados.{8}

A MCDA pode ser adotada em qualquer especialidade ou área (oncologia, doenças raras etc.)? Ela inclui dados de mundo real em sua metodologia?

Laura Murta: Sim, a MCDA pode ser utilizada em qualquer especialidade ou área. Para as doenças raras, muito da discussão acerca do uso dessa metodologia se deve às barreiras de acesso. No cenário internacional, observamos muitas publicações com o uso da MCDA como ferramenta de apoio ao processo decisório, assim como na oncologia (incluindo tumores, raros ou não).{4} A MCDA segue as diretrizes da medicina baseada em evidências para a criação das escalas de desempenho entre as tecnologias, logo o uso de dados de mundo real deve ser considerado seguindo essas recomendações. Contudo é importante ressaltar que, dependendo da natureza do critério, apenas dados de mundo real fazem sentido ou estão disponíveis.{5}{7}

A MCDA é utilizada com sucesso no Brasil ou seu uso ainda é incipiente? Ela é viável no sistema de saúde brasileiro?

Laura Murta: Sim, existem alguns casos já publicados de modelos MCDA no cenário brasileiro, e observamos o uso dessa ferramenta de forma a auxiliar submissões para incorporação de tecnologias tanto no sistema público quanto no sistema privado. Destaca-se que, no Brasil, temos ainda um estudo-piloto que utiliza a estrutura da MCDA para ranquear diretrizes clínicas que serão atualizadas pelo Ministério da Saúde. O estudo indica a utilização da MCDA em um contexto de prioridade de doenças ou tecnologias para serem avaliadas para incorporação.{9}

Material destinado aos stakeholders de acesso ao mercado, sem intuito promocional. Pode conter Premissas Declaradas e/ou informações factuais.

CP-309460 - Junho/2022

Referências

  1. Zawodnik A, Niewada M. Multiple criteria decision analysis (MCDA) for health care decision making — overview of guidelines. J Healph Policy Out Res. 2018;2:1-12.
  2. McCabe C, Claxton K, Culyer AJ. The NICE cost-effectiveness threshold. Pharmacoeconomics. 2008;26(9):733-44.
  3. Sacchini D, Virdis A, Refolo P, Pennacchini M, de Paula IC. Health technology assessment (HTA): ethical aspects. Med Health Care Philos. 2009;12(4):453-7.
  4. Castro JP, Mosegui GBG, Costa TMA. Application of multiple criteria decision analysis (MCDA) for the selection of pharmacological treatments. Braz J Health Review. 2020;3(5):13154-69.
  5. Campolina AG, Soárez PCD, Amaral FVD, Abe JM. Análise de decisão multicritério para alocação de recursos e avaliação de tecnologias em saúde: tão longe e tão perto? Cadernos de Saúde Pública. 2017;33:e00045517.
  6. Marsh K, Thokala P, Youngkong S, Chalkidou K. Incorporating MCDA into HTA: challenges and potential solutions, with a focus on lower income settings. Cost Eff Resour Alloc. 2018;16(1):1-9.
  7. Thokala P, Duenas A. Multiple criteria decision analysis for health technology assessment. Value Health. 2012;15(8):1172-81.
  8. López-Bastida J, Ramos-Goñi JM, Aranda-Reneo I, Taruscio D, Magrelli A, Kanavos P. Using a stated preference discrete choice experiment to assess societal value from the perspective of patients with rare diseases in Italy. Orphanet J Rare Dis. 2019;14(1):154.
  9. Glaize A, Duenas A, Di Martinelly C, Fagnot I. Healthcare decision‐making applications using multicriteria decision analysis: A scoping review. Journal of Multi‐Criteria Decision Analysis. 2019;26(1-2):62-83.

 

 

 

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